sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

FISIOLOGIA

(FÁBIO ALLEX)

Se sou carnaval, tu és meu samba-enredo;
Se sou brinquedo, tu és minha criança;
Se sou esperança, tu és minha possibilidade;
Se sou vaidade, tu és meu espelho;

Se sou conselho, tu és minha experiência;
Se sou ciência, tu és minha metodologia;

Se sou orgia, tu és minha disciplina;
Se sou neblina, tu és minha calma;

Se sou alma, tu és meu interior;
Se sou ator, tu és minha personagem;

Se sou viagem, tu és meu transporte;
Se sou sorte, tu és meu acaso;

Se sou passos, tu és meu destino;
Se sou tino, tu és minha atenção;

Se sou cristão, tu és minha igreja;
Se sou leveza, tu és minha gravidade;

Se sou a saudade, tu és fim dela;
Se sou guerra, tu és meu cessar-fogo;

Se sou pouco, é por que tu estás longe;
Se sou monge, tu és meu mosteiro;

Se sou primeiro, tu és minha vitória;
Se sou glória, tu és meu renome;

Se sou fome, tu és meu banquete;
Se sou sede, tu és meu riacho;

Se sou baixo, tu és meu falsete;
Se sou lembrete, tu és minha memória;

Se sou História, tu és meu passado;
Se sou viciado, tu és meu vício;

Se sou início, tu és meu complemento;
Se sou momento, tu és minha paixão;

Se sou solidão, tu és tu apenas;
Se sou Atenas, tu és minha Grécia;

Se sou controvérsia, tu és meu assunto;
Se sou culto, tu és meu instruir;

Se sou porvir, tu és meu além;
Se sou refém, tu és meu resgate;

Se sou desgaste, tu és meu reabastecer;
Se sou você, tu és meu eu;

Se sou breu, tu és minha hulha;
Se sou unha, tu és meu dedo;

Se sou cedo, tu és minha hora certa;
Se sou seta, tu és meu alvo;

Se sou salvo, tu és minha liberdade;
Se sou combate, tu és meu bombardeio;

Se sou anseio, tu és meu motivo;
Se sou altivo, tu és altar;

Se sou mar, tu és minha enchente;
Se sou demente, tu és minha loucura;

Se sou água pura, tu és minha fonte;
Se sou ponte, tu és as duas margens;

Se sou mensagem, tu és meu verbo raro;
Se sou claro, tu és minha vela acesa;

Se tu és minha princesa, meu coração é teu castelo.

(15-09-2003)

VERSOS NO VERSO

(FÁBIO ALLEX)

Eu que já sou tarde de esperar, eu que tantas cousas deixei p’ra lá.
Eu que tantos voltei sem sair de cá, eu que não me canso de parar.
Eu que pouco falo p’ra pensar, eu que muito penso p’ra falar.
Eu que já não sei por onde andar, eu que já não saio do lugar.

Meus versos que tantos meus, deixaram de ser meus.
Meus versos que tantas prosas, sempre aqui, estão porvir.

Eu que jocoso de tristeza, eu que robusto de fraqueza.
Eu que sujo de pureza, eu que pobre de nobreza.
Eu que púgil, titubeei.
A música parou e eu dancei.
Eu que páginas em branco, tantas histórias p’ra contar.

Eu que errôneo de ser verdadeiro,
Eu que heterônimo de dar a cara a tapas.


Meus versos que tantos meus, deixaram de ser meus.
Meus versos que tantas prosas, sempre aqui, estão porvir.

Estou aqui só por você, sei que vou me arrepender.
Mas, eu sigo meu instinto e falo sempre o que sinto.
Eu queria lhe dizer tudo que penso de você,
Mas você não me deu atenção.

Nossos caminhos cruzaram-se em vão.
Talvez, na sua memória, ainda reste uma lembrança,
Daqueles versos que um dia foram meus.

Eu que já sou tarde de esperar.

(23-06-1999)

O VERNÁCULO NO LIQUIDIFICADOR

(FÁBIO ALLEX)

Já não sei o que é rock n’ roll.
Um corpo-padre do alto arranha-céu jogou-se.
O vigário chorando escondeu um sorriso, e o riso masoquista, o mercenário sádico indicou.
Arrancou mais risos e aplausos das marionetes,
Enquanto o lirismo de chapéu na mão, na escadaria.
Os alcoólicos anônimos dizem-se fazer democracia.
A estação fumou o vício, e é só o início do princípio.
As várias formas de amar uma mulher adulteraram o que foi singelo...
O flagelo na fila do hospital...
A C.P.I. vai apurar onde encarceraram a gramática, e vai ser notícia de jornal.
Já não sei o que é Brasil. São tantas pátrias.
Já não sei o que amor. Só o que vejo é rancor.
Já não sei o que é cor. Mancharam o arco-íris.
A estátua da liberdade aprisionou o Cristo Redentor.
E os reais ternos e gravatas com dólares no bolso, pagam só p’ra ver.
Alerta! Perigo! Polícia ou bandido? Agora é só você e mais ninguém.
Não se preocupe com o que vai vestir, ouvir ou falar.
Apenas siga o modelo na televisão, se é que está bom p’ra você.
Já não sei o que é rock n’ roll ou bossa-nova. A estação fumou o vício.
Já não sei o que é jogo. Apelaram p’ra ganhar.

(15-12-1999)

MENTIRAM P'RA MIM

(FÁBIO ALLEX)

Disseram-me que existe Papai Noel. Nunca o vi.
Que quando se morre, vai-se p’ro céu,
Eu já morri... Que as nuvens eram de algodão,
Quem não estuda vira ladrão.
Que homens não choram e viram lobisomens em noites de lua cheia.
Mentiram p’ra mim.

Disseram-me que na poesia há a verdade,
Que há pessoas capazes de fazer o bem.
Que quando eu crescesse iria entender a vida,
Que p’ra tudo tem e dar-se um jeito.
E que a pressa é a inimiga da perfeição,
Que os pesadelos acabam quando se faz uma oração.
Mentiram p’ra mim.

Que nada vai me acontecer, porque tenho um anjo da guarda,
E se eu mentir, o nariz vai crescer.
E que p’ra conseguir as coisas, basta querer.
E se eu não for correto, Deus vai castigar.
E se alguém me trair,

É só perdoar.
Mentiram p’ra mim.

(21-08-1998)

FIQUE MAIS UM POUCO

(FÁBIO ALLEX)

Fique mais um pouco, tome mais um gole, pode acender mais um cigarro.
Faça-me companhia, seu papo agrada-me. Em você, eu me amarro.

Estive esperando tanto por você. Fiquei muito feliz em poder lhe ver.
Não vá embora, agora. Ainda não é hora. Por que não demorar?
Ainda é tão cedo, você me traz sossego. Pare de se apressar.

Vamos escutar um som ou então cantar um. E comer uma boa comida.
Hoje é com você, querida. Hoje é você quem manda e eu obedeço...
Fique mais um pouco e não mais esqueça o meu endereço...

(25-07-1998)

PRISIONEIRO DO MEDO

(FÁBIO ALLEX)

Eu fecho os olhos, e ele aparece.
O que foi claro, agora escurece.

Eu ‘tou ligado nesse sobe e desce.
Vê se me deixa em paz!

Eu fecho os olhos, e ele aparece.
Eu já orei, já fiz uma prece.

Eu já falei: vê se me esquece!
Vê se me deixa em paz!

Eu abro os olhos, e na minha frente está.
Eu já não sei mais para onde olhar.

Nessa correnteza, nesse alto mar,
Estou prestes por me afogar.


Mudo de lugar, mudo de cidade.
Mas, ele está por toda parte.

Só indo a Júpiter ou a Marte.
Vai ver nem iria adiantar.

Está presente em todo passo que eu dou.
Eu já não sei mais para onde vou.

Eu já não sei, sequer quem sou.
Talvez, um corpo fugindo de si.

(24-10-1998)

MAR

(FÁBIO ALLEX)

Amar o mar; ao mar, amor;

No mar, remar; rimar, rumor;

Mar no amar, rimar o amor;

Remar o mar; ao mar, rumor;

No mar, rimar; amar o amor;

Remar o amar; amar, rumor;

Rimar no amor, amar no mar.

(10-11-2000)

PERMANENTE

(FÁBIO ALLEX)

O que é Isso que vem e fica, ampara, abriga, e não quer mais ir embora?
O que é Isso que não tem medo, é apego, revela ao vento e aflora?

O que é Isso que engana o tempo, emana o momento e perde as horas?
O que é Isso que traz o sorriso, espera o que é preciso e reconhece o agora?

O que é Isso que é perseverante, solidário relutante e imigrante visceral?
O que é Isso que é festa, alegria, mas nunca usa fantasia, sequer em carnaval?

O que é Isso que é espelho, é devagar, é anseio e pelo infinito se locomove?
O que é Isso que nasce, cresce, até enfraquece, se restabelece e nunca morre?

(26-01-2006)

RESSACA DE POESIA

(FÁBIO ALLEX)

O meu corpo no teu, se irradia.
No reboliço de nossos lábios, no roçar de nossas línguas tem magia.
Na chuva, na tua voz tem melodia.
Demorou ou foi cedo?...
Se não fosse a hora certa, aqui não estaríamos.
Contigo, descobri a diferença entre fartura e iguaria.
Se algo, eu tivesse que perder p’ra poder sempre te ter,
Não me importaria.

Meu pensamento a procura do teu faz vigília.
Vem a noite, cresce a saudade, mas não acaba o dia.
Minh’alma embriagada com teu cheiro, vadia:
Ressaca de poesia!

(25-03-2006)

NÃO PROMETO UM SONETO

(FÁBIO ALLEX)

Aonde tu fores, mudos serão cantores... As flores que te cheiram.
Tua beleza traz-me paz, massageia meu corpo e colore minha alma.
Perfil de santa que encanta, planta amores onde árvores andam.
Contigo, nem todas as guerras tirariam de mim, a leveza e a calma.

Todos os tinos e sinos unânimes, ovacionando a natureza.
Para onde vais, na tua bagagem irá meu pensamento.
Desejos, um ensejo, tuas mãos, nosso canto, minha certeza.
Não prometo um soneto, mas saudade na ida; na vinda, contentamento.

Minhas mãos em teu rosto, deslizam com gosto como a fome em vasto almoço.
Que não tarde o meu esperar! Uma não-vinda causaria alvoroço.
Tragas lume para o escuro da esquina, para os meus lábios, beijos cálidos!

Seja para mim, o teu despires: madrugada, cheiro de chuva e manto.
Os ventos dos teus sorrisos haverão de secar a poça do meu pranto.
Dar-te-ei afagos, segredos, proteção. Serei teu anjo. Que meus gestos sejam válidos!

(17-01-2003)