segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

INTERNET É ALTERNATIVA PARA POPULARIZAR A MÚSICA PRODUZIDA NO MARANHÃO


Maranhense Phill Veras começa a se destacar no cenário musical brasileiro, por meio de portais especializados em música independente e redes sociais.

POR FÁBIO ALLEX

A música produzida no Maranhão acalantando ouvidos no Brasil afora. João do Vale, Alcione, Antonio Vieira, Claudio Fontana, Cecílio Nena, Nonato Buzar, Tião Carvalho, Zeca Baleiro, Rita Ribeiro, Tribo de Jah, Ana Torres, Flávia Bittencourt, Bruno Batista, Nosly. Estes são alguns dos artistas maranhenses que já puderam, em algum momento, ou podem ser aplaudidos fora dos seus locais de origem, guardadas, claro, as devidas proporções e épocas.

Zeca Baleiro, cantor e compositor maranhense de maior repercussão em nível nacional

Bruno Batista

Flávia Bittencourt

Pela quantidade, entretanto, de talentos germinados no território um dia liderado pelo Senhor de La Ravardière, pressupõe-se ser ainda muito pouco a leva que ultrapassa os limites geográficos dos emaranhados nordestinos. Os motivos determinantes (ou mesmo influenciáveis) para estagnar a proliferação desse processo cultural, seriam vários.

Falta de apoio para divulgação e gerenciamento das carreiras, seja da iniciativa pública ou privada; não ter vínculo com a indústria fonográfica; distância do eixo Rio - São Paulo, que é a maior vitrine do mercado cultural do país; além, às vezes, da escassez de profissionalização dos próprios músicos, por terem que ter trabalhos paralelos sem nenhuma relação com a música.

Na contramão, porém, do mercado, pelas vias alternativas do fenômeno cultural, que insistem em não findar, apropriando-se, sobretudo, dos mecanismos tecnológicos contemporâneos, favoráveis e indispensáveis ao sistema de difusão, como a internet, o seio criativo maranhense talvez ainda não tenha apresentado tamanha fertilidade e abundância ao mesmo tempo. Dos postulantes a adentrarem os demais solos brasileiros, artistas potenciáveis como as bandas Soulvenir; Kazamata; Beto Ehong e Canelas Preta; os cantores Djalma Lúcio; Elizeu Cardoso; Madian e o Escarcéu; e Acsa Serafim são alguns exemplos, que, gradativamente, vêm cativando públicos em casas de shows e em redes sociais.

Soulvenir

Acsa Serafim

Phill Veras

Phill Veras Contudo, um cantor e compositor, em especial, tem chamado mais atenção e recebido elogios com pompa nas redes sociais: Phill Veras, de 21 anos de idade. Um dos ex-vocalistas da extinta banda Nova Bossa – que atuou entre 2008 e 2012 –, Phill não parou, lançou carreira solo, recebeu duas indicações (de revelação de 2012 e melhor música pop, com Valsa e Vapor) ao Prêmio Universidade FM, promovido pela rádio homônima. Já no dia 15 de novembro, também deste ano, teve proclamado pelo portal Musicoteca (http://www.amusicoteca.com.br/?p=7199) – especializado em música independente – seu primeiro EP, intitulado Valsa e Vapor, com cinco canções. O registro é o mais baixado entre os 18 últimos lançamentos realizados pelo portal, com, aproximadamente, 102 downloads por dia e mais de 3568 até a data desta matéria.

O carioca Cícero, por exemplo, um dos artistas da cena indie mais aclamados na internet, com o seu “Canções de Apartamento”, dispobilizado em junho de 2011, recebe cerca de 48 downloads por dia e é o quinto mais baixado da Musicoteca. O mais acessado, até então, é o disco 2 da Coletânea Re-Trato LH, lançado em abril de 2012, que reúne vários artistas interpretando a banda Los Hermanos, com aproximadamente 1128 downloads por dia.

Valsa e Vapor, EP de estreia de Phill Veras, recebe cerca de 102 downloads diariamente


Phill Veras, que compõe desde os 14 anos e já possui um acervo com mais de 70 canções, também disponibiliza vídeos, de algumas de suas melodias, no Youtube. O mais visitado, da música “Pode Vir Comigo”, postado em abril, já ultrapassa a marca de 19622 acessos. No referido acervo de audiovisual, covers de canções do compositor maranhense também já são encontrados, a exemplo da música “Desde Mil Quatrocentos e Tal”, interpretada por Nanda Magalhães. “Essa é uma música que ouvi há pouquinho tempo e que me apaixonei super rápido! O cara que canta ela se chama Phill Veras e é lá do Maranhão”, comentou a jovem Nanda.



No último dia 11, o morador do bairro São Francisco, em São Luís, que já prepara um álbum com cerca de 14 músicas, foi apresentado e entrevistado pela MTV, no portal MTV Escuta (http://blogs.mtv.uol.com.br/escuta/do-maranhao-phill-veras-e-pura-serenidade/). “Escuto muito Caetano Veloso, Marcelo Camelo, Chico Buarque, The Strokes também, mas sobretudo música brasileira”, respondeu Phill, ao portal, sobre suas influências.

Show de lançamento do EP Valsa e Vapor –  Após show no Rio de Janeiro, no formato voz e violão, sendo a primeira fora da sua terra natal, Phill Veras e banda fazem apresentação de lançamento do EP Valsa e Vapor, nesta sexta-feira (21), às 20h, no Teatro da Cidade de São Luís (antigo Cine Roxy), na Rua do Egito. Se Phill será perpetuado como um dos grandes nomes da música popular brasileira, assim como algumas de suas influências e como o maranhense mais representativo Zeca Baleiro, resta esperar. O dia 21 de dezembro de 2012 é uma oportunidade para os ludovicenses entenderem a poesia e a musicalidade do artista que já começou a ser descoberto em outras esquinas do Brasil.

Phill Veras no Teatro da Cidade de São Luís

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O CAPOEIRA. POETA DAS EXPRESSÕES CORPORAIS

“A capoeira me trouxe o artista que sou. Eu vou além da capoeira, mas sem me descartar dela, ela é o carro-chefe. Assim que eu sou feliz". Mestre Patinho.


POR FÁBIO ALLEX
(Publicada no Jornal Pequeno em 11 de fevereiro de 2012)

“[...] Ê, volta do mundo, camará. Ê, o mundo dá volta, camará [...]”. Estes versos constantes em rodas de capoeira parafraseados pelo cantor e compositor Gilberto Gil para criar a música “Parabolicamará”, do disco homônimo, de 1991, nada mais é do que uma ilustração da certeza sobre o mundo possibilitar voltas, em idas e vindas, onde nessa perspectiva há também a possibilidade de conquistas para quem um dia precisou conviver com o acre gosto de desventuras. 

Para Gil, o neologismo, uma aglutinação das palavras parabólica – da antena onipresente até em redutos carentes do Brasil – e camará – maneira como os adeptos do jogo lúdico afro-brasileiro adotaram para chamar seus parceiros, contempla ainda o mundo globalizado que o tropicalista vislumbrara há mais de 20 anos. “Tudo muda o tempo todo. E só quem sabe entender a mudança pode conquistar a vitória, ou melhor, vitórias, sempre parciais”, disse o então ministro da cultura, em 2006, no Rio de Janeiro, durante o iSummit, evento voltado para tratar de direitos autorais sobre criações artísticas e intelectuais.
Patinho autografando 1º CD de Capoeira do Maranhão

E é nessa atmosfera, nessa filosofia de superação, de mudança que se encaixa e bebe um dos personagens vivos mais emblemáticos da cultura maranhense e brasileira, onde “o novo no velho sem molestar as raízes” se faz facilmente presente: Antônio José da Conceição Ramos, o Mestre Patinho.  O ‘capoeira’, como gosta de ser chamado (por achar o termo capoeirista pejorativo), é um desses homens que escolhe (ou é escolhido por) uma causa para abraçar, defender e que se confunde com a própria história e com a própria causa. É daqueles homens que se perpetuam a partir do contexto ao qual se propôs a erigir e desbravar, perpassando por um passado que não poderá se calar diante de contribuições atemporais.


Patinho na casa onde nasceu e vive até hoje

O pato rouco, outra alcunha do Mestre recebida após a retirada das amígdalas e ter feito quatro raspagens nas pregas vocais, nasceu em São Luís, na casa onde mora até hoje, na Rua São Pantaleão, casa 513, Centro, em 14 de setembro de 1953. É lá, próximo à igreja concluída em 1817, de mesmo nome da sua rua e de seu berço esplêndido, que surge para o mundo o 15º filho de Djalma Stefânio Ramos e Alaíde Mendonça Silva Ramos. É por lá, em 1962, os primeiros passos para a vida e para a capoeira, do menino que veio raquítico, com deficiência respiratória e febre reumática.



Apenas 9 anos de idade foram suficientes para conhecer e deslumbrar-se com a manifestação artística que se tornaria sua missão e sua trajetória. “Fugi de casa num sábado, de manhã. Vi dois galos brigando, próximo à Rua da Palha [divisa com a São Pantaleão]. Eu nunca tinha visto aquilo, cara”, conta entusiasmado. “Em seguida, do outro lado, olhei Jessé [Lobão, capoeirista maranhense que havia sido treinado por Djalma Bandeira, no Rio de Janeiro, e, ao retornar para o Maranhão, passou a promover brigas entre galos], fazendo meia lua (golpe tradicional da capoeira), batendo em uma lata pendurada em um arame preso [em duas extremidades]. De imediato tirei a atenção dos galos que estavam brigando e, numa atitude divina, imitei esse momento. E foi justamente por meio de Jessé Lobão, que Patinho descobriu, encantou-se e pôde agregar os primeiros valores oriundos da capoeira.  

MESTRE SAPO
Em 1965, Mestre Patinho, já totalmente inserido e embriagado pela fonte da capoeira, conhece Anselmo Barnabé Rodrigues, o Mestre Sapo, discípulo do baiano Washington Bruno da Silva, o Mestre Canjiquinha (1925-1994), em oportunidade de demonstração realizada no Palácio dos Leões. Por conseguinte, Sapo, de acordo com relatos populares, fixa residência em São Luís, possivelmente a convite de integrantes da gestão do então governador do Estado José Sarney. O intuito seria promover a capoeira, o que o colocaria no posto de referência mais efusiva e responsável pela reaparição do jogo-arte durante a década de 1970, no Maranhão, além de ter sido também o mais proeminente incentivador e professor de Patinho.
Sapo, que participava do Quarteto Aberrê (nome em homenagem ao mestre de Canjiquinha), juntamente com Vitor Careca e Brasília, além do próprio Mestre Canjiquinha, líder do grupo baiano, de fato, depois de estabelecido em São Luís, a partir de 1966, segundo o artigo O Mestre Sapo, a passagem do Quarteto Aberrê por São Luís e a (des)construção do ‘mito’ da ‘reaparição’ da capoeira no Maranhão dos anos 60 (2010), do professor de História Roberto Augusto Pereira, passa a ministrar aulas de capoeira somente após cinco anos, no Ginásio Costa Rodrigues, já no governo Pedro Neiva de Santana.

ORIGEM DA CAPOEIRA NO MARANHÃO
Considerada patrimônio imaterial da cultura brasileira desde 2008, por decisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a manifestação artística, e luta de outrora, oriunda das senzalas, dos guetos, sob a tutela de escravos negros a fim de protestar contra mazelas sociais, tem indícios de ter aparecido no Maranhão na década de 1870, na região da Baixada. Todavia, há também registros que narram sua aparição entre 1830 e 1840, reaparecendo, já na capital maranhense, aproximadamente, 100 anos mais tarde.

Árvore genealógica de Patinho

A partir daí esquiva-se para ressurgir no início da década de 1960, representada pela Academia Bantu, pioneira em capoeira no estado. À frente do projeto estava o aluno do Mestre Artur Emídio (1930-2011), o Mestre Roberval Serejo (1936-1971), um marinheiro que serviu a Marinha de Guerra do Rio de Janeiro e foi morto quando trabalhava na construção do Porto do Itaqui. Há vários relatos, portanto, inclusive de Mestre Patinho, que afirmam que Mestre Roberval Serejo foi antecessor de Sapo.

Também de acordo com o artigo do professor Augusto Pereira (2010), é possível destacar, ainda, como antecessor de Mestre Sapo, Firmino Diniz, aluno de mestre Catumbi, no Rio de Janeiro. Posteriormente, tornar-se-ia um dos expoentes mais expressivos e fomentadores da capoeira em rodas de rua realizadas em praças da capital. Além do Mestre Roberval Serejo, participavam da Bantu, Mestre Diniz, Mestre Jessé Lobão, Babalú, José Anunciação Gouveia, Ubirajara, Elmo Cascável, Alô, Mestre Patinho.

Com a missão de dar continuidade ao legado e ao conhecimento buscado e adquirido com esforço, sempre “na barganha do aprender”, por meio de vários mestres como João Pequeno (1917-2011), João Grande, Curió, Jaime de Margrante, Artur Emídio, sobretudo após a morte de Mestre Sapo (em decorrência de atropelamento no trânsito do Bairro da Cohab, em 1982), Mestre Patinho delineia sua sina na capoeiragem, desde que fora aluno e colaborador de Sapo, no Departamento de Educação Física, Esportes e Recreação; da Secretaria de Educação do Estado. “Pra eu ter o armazenamento mais aproximado do que é o jogo [da capoeira] foi necessário ir buscar a brasilidade em muitos mestres”, garante.


"A CAPOEIRA É UMA SÓ"
Sobre essa brasilidade, dentre tantos mestres respaldados na arte, pesquisada a fundo e com exclusividade durante cerca de cinco décadas, Patinho torna-se credenciado, não apenas por especialistas célebres da manifestação afro-descendente que o antecederam, mas também pelo empirismo e pela incansável disciplina que lhe revigoram a cada dia, trafegando por infindáveis amálgamas imbuídas na capoeira e na coletividade a qual ela proporciona.  “A minha preocupação não é em ser sistemático, mas exigente. A minha exigência é prática, lúdica e vem de uma perseverança muito grande. Eu lido com a capoeira em primeiro plano e a maioria das pessoas que lidam: mestres, contramestres, professores, trainees têm outra função, porque a capoeira para elas é para um espaço de tempo quando estão livres, e não vão à capoeira quando ela precisa. Somos diferentes, mas precisamos entender as diversidades”, enfatiza.

Envolto em ‘jogadas’, como meia lua, chapéu de couro, chapa, meia lua de compasso, aú, benção, rabo de arraia e dois pandeiros, um agogô, um reco-reco, três berimbaus (de três tons) e um atabaque, as práticas e conceitos aprendidos e adotados por esse lendário gigante da arte e da vida, de 1,60 m, são vastos e estão disponíveis por considerar que “reter conhecimento é crime”. Patinho, portanto, ensina que a capoeira não é uma dança tampouco luta, e sim um jogo por que contém fundamentos, “como os números de zero a nove que formatam uma quantidade infinita de números”, todos com alguma função. “Não é dança, é estratégia de jogos para a guerra”. Fala ainda sobre a função dos fundamentos, caracterizados pela ‘família’ que possuem, resultando em “mistura por excelência”, “diálogo corporal”, “xadrez do corpo”, além de seus andamentos: lento, intermediário, acelerado. Das alturas: rasteira, intermediária e alta. Das distâncias: dentro, fora, à distância. “Para jogar capoeira é necessário ter uma gama enorme de saberes”, afirma.

Aula realizada no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho

Para quem, de alguma forma, já teve contato sobre o jogo corporal, deve ter tido notícia quanto aos estilos da capoeira: regional e angola. Todavia, Patinho afirma com convicção que a capoeira, o seu ritual do dia a dia, é uma só. “No estilo regional, só há uma altura, em cima; na de angola, em baixo e lento. E não é isso. A capoeira que eu conheço tem fundamentos: tem três alturas, três andamentos e três distâncias, para que se venha a perceber a diversidade e a importância de se dominar de forma bem lenta, bem equilibrada, de forma ambidestra. A Psicomotricidade fica de cabeça pra baixo, onde tórax vira cervical, mão vira pé, pé vira mão, perna vira braço. E não é aleatório. O que aprendi em 50 anos, posso ensinar em cinco. Hoje eu consigo colocar leigo na leitura da capoeira e em três meses dentro da roda”. 

Aula no Laborarte

POETA DAS EXPRESSÕES CORPORAIS
O multifacetado poeta das expressões corporais, sempre com uma visão além do seu tempo, não se contentou apenas em adquirir seus conhecimentos técnicos, práticos, artísticos e filosóficos por meio da capoeira, por mais rica que ela possa ser. Patinho mergulhou fundo em outras áreas afins com o objetivo de multiplicar possibilidades e agregar valores que possam se complementar. Concluiu curso de dança primitiva, moderna e contemporânea, balé clássico, dança folclórica, expressão corporal, fez cursos de atualização em educação física, além de ser percussionista e ter lançado, em 2008, o primeiro CD de capoeira do estado, intitulado de ‘Capoeira do Maranhão – Mestre Patinho’, com sete faixas de sua autoria e mais seis de grupos da Escola de Capoeira Angola do Laborarte.


O Mestre contemplando a árvore genealógica das escolas de capoeira

O reconhecimento que já ultrapassou fronteiras, como a participação com seu grupo no Festival Internacional de Expressões Ibéricas (FITEI), na cidade de Porto, em Portugal, em 1990, foi ainda mais ratificado com o ‘Prêmio Viva Meu Mestre’, em 2011, uma política de reconhecimento e valorização de mestres com o objetivo de reconhecer e fortalecer a tradição cultural da capoeira e homenagear mestres com igual idade ou superior a 55 anos. “A minha praia é preservá-la, torná-la mais fácil e que todos percebam a importância que ela tem nas nossas vidas. E perceber que não se muda ninguém. Cada um tem que perceber e se permitir a aceitar os discernimentos. Uma roda de fundamento em harmonia, não só encanta como eleva, como massageia, espiritualiza, autoafirma a personalidade. É muito triste as pessoas julgarem o que nunca tiveram ideia do que é”, filosofa o homenageado.

Assim, a capoeira, a clássica expressão popular, o jogo, o balé rústico, que tanto Patinho cultiva e compartilha, faz da sua própria existência um acervo cultural percebido em cada palavra, gesto, na plasticidade e comunhão dos movimentos. Arte, artista, trajetória e presente se confundem. Eis que a força do berimbau faz ecoar de São Luís ao mundo afora, o canto, o equilíbrio e o mais singelo amor pelos dias, pelos camaradas, pela capoeira. Eis o Mestre que proclama: “Ser mestre é estar pronto para aprender, não esconder conhecimento e torná-lo em uma leitura ao alcance de todos”.



Para ter contato mais íntimo com a arte da capoeira, ter a alma espiritualizada, massageada, autoafirmada e entender a fundo seus fundamentos e sua tradição, o Centro Cultural Mestre Patinho está disponível e pode ser contactado pelo telefone: (98) 8132-3268.

QUANDO BECOS SÃO AS MELHORES OPÇÕES

POR FÁBIO ALLEX

(Publicada no Jornal Pequeno em 31 de dezembro de 2011)

Em comemoração às três décadas da existência de a República dos Becos (1981), de Luís Augusto Cassas, fui convidado pelo professor, escritor, poeta e editor deste Suplemento Cultural, Alberico Carneiro, a galgar algumas linhas sobre essa célebre obra de estreia. A princípio, um tanto ressabiado, fiquei. Um misto de constrangimento e culpa assolou-me. Logo eu, amante das letras de escritores brasileiros e maranhenses, como Tribuzi, Gullar, Montello, Chagas, sem ainda ter contato íntimo com a arquitetura poética de Cassas. E agora?: perguntei-me. Devo me atrever ou entregar os pontos?
Vi-me, então, diante de um beco sem saída. Aliás, vários becos. Contei com a gentileza de receber emprestado do Professor, o livro aniversariante. E entendi que o presenteado, fui eu, e que esses becos levaram-me aos itinerários mais iluminados.
Assim, com o coração brando e mente aberta, propus-me a adentrar o universo cassiano, e não me demorei a comprovar o que boa parte da seleta safra de escritores já proferem ao longo dos anos. A obra debutante de Cassas está recheada de elogios de referências da literatura. Adjetivos, como “personalidade nítida”, “poeta por imposição da natureza”, “presença inconfundível”, foram escritos por Josué Montello, no prefácio do livro. Além disso, outros comentários foram enraizados, como de Franklin de Oliveira que, em tom de profecia, disparou sobre Cassas talvez ser o escritor maranhense mais destinado a alcançar ressonância em nível nacional. Já Walmir Ayala qualificou o poeta como aquele que traz novamente o gosto da verdadeira poesia. Fábio Lucas enobreceu-o descrevendo: “Simples, sem ser simplório, denso sem se mostrar prolixo, aberto à experiência verbal sem se enredar no experimentalismo oco”. Ou ainda Chagas que não hesitou em destacar: “Luís Augusto Cassas articula duplamente os signos da tradição literária do Maranhão e, por isso mesmo, da melhor tradição da poesia do Maranhão e, por isso mesmo, da melhor tradição da poesia brasileira”.

Nesse mesmo viés, sem delongas e sem deixar por menos, Nauro Machado sacramenta: “Com República dos Becos, o Autor se inscreve, sem dúvida, entre os melhores poetas de dimensão nacional dos últimos anos. Poesia de pé no chão e olhos nos homens”.
Todavia, já completamente instigado e imbuído de curiosidade, eu deveria, obviamente, reter as minhas próprias conclusões. A essa altura, perante tanta credibilidade, encontrava-me persuadido de ter sobre as minhas mãos um registro de um Escritor com relação estreita e intrínseca com o seu ofício. Contudo, faltava-me concordar.
Descobri, portanto, percorrendo metade das 107 páginas da insigne obra de Cassas (pois tive que adiar a leitura para compartilhar estas minhas impressões), o mafuá das palavras, a diversão mais ardente pela leitura e um combustível renovado para resgatar o deleite pela descoberta de novos périplos envoltos de lirismo.
Não precisei ir até o último poema para que não pairasse em mim nenhuma dúvida e desconfiança sobre a elegância e competência literária do Autor em questão.

Mãe, quando a senhora me embalar (como fazia quando criança) peço, por favor, imploro de joelhos não seja indiscreta como toda mãe o é:

Pergunte pelo meu lirismo, meu alcoolismo, minhas rusgas e rugas, indague por tudo:

Menos pelo hábito de roer unhas.

Isso eu não posso lhe responder...

Pode ser apenas o sentimento antropofágico

A solidão onicofágica de ver tantas crianças pobres roerem como ratos detritos de latas de lixo

E minha mã, eu não poder fazer nada, absolutamente nada.

(Por essa razão, minha mãe, não pergunte pelo meu hábito de roer unhas.)

Esqueça tudo isso.

Fale de brinquedos, minha cartucheira de cowboy do meu balanço, das minhas gangorras, do sorvete

[de chocolate

Até de Flashe Gordon e de pudim de macaxeira.

Agora, peço somente à senhora que me embale.

Que eu quero dormir... dormir...

E esqueça, por favor, o resto.

Principalmente, as minhas unhas

Deixe-as como estão.
(Acalanto, pg. 31, República dos Becos)


Agora, sedento pelo fazer poético desse maranhense de mão cheia, não vejo a hora, após chegar aos últimos versos de a República dos Becos, de abraçar as outras construções de Cassas, como A Paixão Segundo Alcântara (1985); Rosebud. Poemas (1990); O Retorno da Aura (1994); Shopping de Deus e a Alma do Negócio (1998); Ópera Barroca (1998); Titanic-Boulogne: a canção de Ana e Antônia (1998); Bhagavad-Brita: a canção do beco (1999); Deus Mix (2001); O Vampiro da Praia Grande (2002); Em Nome do Filho: advento de aquário (2003); A Paixão Segundo Alcântara e Novos Poemas (2006); O Filho Pródigo: um poema de luz e sombra (2008); A Mulher que Matou Ana Paula Usher (2008); Evangelho dos Peixes Para a Ceia de Aquário (2008); A Ceia Sagrada de Míriam – oferenda lírica (2010).
Se toda sua obra for como a trintona, eis, possivelmente, um dos melhores escritores vivos deste país, pois o esmero e o tratamento delicado que o autor de a República dos Becos congrega em suas poesias e a forma como se apropria e manuseia as palavras cativam o mais desatento leitor. Entrevar-se e vivenciar os instantes lidos de Cassas é algo inevitável. Coisa de Poeta que sabe dizer o que acalanta a alma, emana prazeres e contempla o amor.