(Publicada no Jornal Pequeno em 31 de dezembro de 2011)
Em comemoração às três décadas da existência de a República dos Becos (1981), de Luís Augusto Cassas, fui convidado pelo professor, escritor, poeta e editor deste Suplemento Cultural, Alberico Carneiro, a galgar algumas linhas sobre essa célebre obra de estreia. A princípio, um tanto ressabiado, fiquei. Um misto de constrangimento e culpa assolou-me. Logo eu, amante das letras de escritores brasileiros e maranhenses, como Tribuzi, Gullar, Montello, Chagas, sem ainda ter contato íntimo com a arquitetura poética de Cassas. E agora?: perguntei-me. Devo me atrever ou entregar os pontos?
Vi-me, então, diante de um beco sem saída. Aliás, vários becos. Contei com a gentileza de receber emprestado do Professor, o livro aniversariante. E entendi que o presenteado, fui eu, e que esses becos levaram-me aos itinerários mais iluminados.
Assim, com o coração brando e mente aberta, propus-me a adentrar o universo cassiano, e não me demorei a comprovar o que boa parte da seleta safra de escritores já proferem ao longo dos anos. A obra debutante de Cassas está recheada de elogios de referências da literatura. Adjetivos, como “personalidade nítida”, “poeta por imposição da natureza”, “presença inconfundível”, foram escritos por Josué Montello, no prefácio do livro. Além disso, outros comentários foram enraizados, como de Franklin de Oliveira que, em tom de profecia, disparou sobre Cassas talvez ser o escritor maranhense mais destinado a alcançar ressonância em nível nacional. Já Walmir Ayala qualificou o poeta como aquele que traz novamente o gosto da verdadeira poesia. Fábio Lucas enobreceu-o descrevendo: “Simples, sem ser simplório, denso sem se mostrar prolixo, aberto à experiência verbal sem se enredar no experimentalismo oco”. Ou ainda Chagas que não hesitou em destacar: “Luís Augusto Cassas articula duplamente os signos da tradição literária do Maranhão e, por isso mesmo, da melhor tradição da poesia do Maranhão e, por isso mesmo, da melhor tradição da poesia brasileira”.
Nesse mesmo viés, sem delongas e sem deixar por menos, Nauro Machado sacramenta: “Com República dos Becos, o Autor se inscreve, sem dúvida, entre os melhores poetas de dimensão nacional dos últimos anos. Poesia de pé no chão e olhos nos homens”.
Nesse mesmo viés, sem delongas e sem deixar por menos, Nauro Machado sacramenta: “Com República dos Becos, o Autor se inscreve, sem dúvida, entre os melhores poetas de dimensão nacional dos últimos anos. Poesia de pé no chão e olhos nos homens”.
Todavia, já completamente instigado e imbuído de curiosidade, eu deveria, obviamente, reter as minhas próprias conclusões. A essa altura, perante tanta credibilidade, encontrava-me persuadido de ter sobre as minhas mãos um registro de um Escritor com relação estreita e intrínseca com o seu ofício. Contudo, faltava-me concordar.
Descobri, portanto, percorrendo metade das 107 páginas da insigne obra de Cassas (pois tive que adiar a leitura para compartilhar estas minhas impressões), o mafuá das palavras, a diversão mais ardente pela leitura e um combustível renovado para resgatar o deleite pela descoberta de novos périplos envoltos de lirismo.
Não precisei ir até o último poema para que não pairasse em mim nenhuma dúvida e desconfiança sobre a elegância e competência literária do Autor em questão.
Mãe, quando a senhora me embalar (como fazia quando criança) peço, por favor, imploro de joelhos não seja indiscreta como toda mãe o é:
Pergunte pelo meu lirismo, meu alcoolismo, minhas rusgas e rugas, indague por tudo:
Menos pelo hábito de roer unhas.
Isso eu não posso lhe responder...
Pode ser apenas o sentimento antropofágico
A solidão onicofágica de ver tantas crianças pobres roerem como ratos detritos de latas de lixo
E minha mã, eu não poder fazer nada, absolutamente nada.
(Por essa razão, minha mãe, não pergunte pelo meu hábito de roer unhas.)
Esqueça tudo isso.
Fale de brinquedos, minha cartucheira de cowboy do meu balanço, das minhas gangorras, do sorvete
[de chocolate
Até de Flashe Gordon e de pudim de macaxeira.
Agora, peço somente à senhora que me embale.
Que eu quero dormir... dormir...
E esqueça, por favor, o resto.
Principalmente, as minhas unhas
Deixe-as como estão.
(Acalanto, pg. 31, República dos Becos)
Agora, sedento pelo fazer poético desse maranhense de mão cheia, não vejo a hora, após chegar aos últimos versos de a República dos Becos, de abraçar as outras construções de Cassas, como A Paixão Segundo Alcântara (1985); Rosebud. Poemas (1990); O Retorno da Aura (1994); Shopping de Deus e a Alma do Negócio (1998); Ópera Barroca (1998); Titanic-Boulogne: a canção de Ana e Antônia (1998); Bhagavad-Brita: a canção do beco (1999); Deus Mix (2001); O Vampiro da Praia Grande (2002); Em Nome do Filho: advento de aquário (2003); A Paixão Segundo Alcântara e Novos Poemas (2006); O Filho Pródigo: um poema de luz e sombra (2008); A Mulher que Matou Ana Paula Usher (2008); Evangelho dos Peixes Para a Ceia de Aquário (2008); A Ceia Sagrada de Míriam – oferenda lírica (2010).
Se toda sua obra for como a trintona, eis, possivelmente, um dos melhores escritores vivos deste país, pois o esmero e o tratamento delicado que o autor de a República dos Becos congrega em suas poesias e a forma como se apropria e manuseia as palavras cativam o mais desatento leitor. Entrevar-se e vivenciar os instantes lidos de Cassas é algo inevitável. Coisa de Poeta que sabe dizer o que acalanta a alma, emana prazeres e contempla o amor.
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