quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

JOSÉ CHAGAS: POETA, PATRONO E CUMPRIDOR DE SUA SINA

POR FÁBIO ALLEX

(Publicada no Jornal Pequeno em 10/12/2011)

[...] Os anos me reexistindo, me resistindo, os ares me exigindo voo [...]”. A poesia 13,45, de José Chagas, inserida na obra ‘Os telhados’, de 1965, é apenas uma dentre tantas traduções de sua própria existência e da capital escolhida para acolher e ser acolhido. O paraibano mais maranhense do qual se tem notícia, patrono da 5ª Feira do Livro de São Luís, carrega no tom poético um misto de modéstia e agradecimento pelo preito, como quem se alimenta de tempo e dura horas inteiras de sonho. “Considero uma grande honra. Quando eu já nem merecia, é exatamente quando me fazem por merecer. Não sei como eu sou o patrono do negócio sem ser patrono de nada. Eu nunca fui patrono de coisa nenhuma. E agora estou sendo patrono, e, ao mesmo tempo, não sendo, porque eu não cumprir com o que deveria ser”, disse o escritor com a candura de quem desconhece a prática de vangloriar-se, mesmo entendendo que as homenagens são justas.
Poeta José Chagas
Portanto, no elevado grau de sua sabedoria, Chagas sempre teve consciência sobre aquilo que merece importância, tanto que já escrevera em ‘Alcântara’, de 1994: “[...] O tempo em seu eterno se condensa e a escuridão não sabe o quanto dá de seu mistério para a recompensa de uma idade parada noutra idade [...]”. Seria por isso a busca pela manhã exata, viva, definitiva? O tempo, aliás, tema recorrente em sua obra, aqui, em questão: qual a hora certa disso ou aquilo? Melhor agora ou outrora? O que poderia ter sido diferente? O que ainda se pode fazer? “[...] Aqui o tempo não dura em passar, mas em ficar à espera de quem o descubra como curtida matéria de vida pronta à ressurreição das coisas. São Luís é toda de manhã como o aviso claro de um dia [...]” (De ‘Canhões do Silêncio’, 1979).

Acostumado a ser lançado da janela, todas as manhãs pelo mirante, e dedicado a erguer palavras que eternizam o chão que habita desde 1948, agora o literato de 87 anos vividos e poetizados convive com aplausos do público e a fragilidade do seu corpo. “Eu já levei cinco quedas. Em uma delas, quebrei o braço esquerdo e arrebentei a cara todinha, isso há mais de ano. Quando foi domingo [27 de novembro], fui vestir a bermuda, escorreguei e cai sentado no banheiro. Não tinha quase ninguém por perto, e fiquei lá quase uma manhã inteira. Fiquei sem poder me levantar sozinho. Aí, não pude mais sair para lugar nenhum. Eu doido para vim dá uma volta, olhar a Feira”, relatou sobre suas limitações com angústia nas retinas.
Por causa dessa fragilidade que lhe acomete, a escrita começa a ficar de lado. Entretanto, apenas o ato de registrar, no papel, as reflexões e o lirismo que brotam de seu existencial. Todavia, a poesia, não. Esta prevalece. Os versos insistentes não querem findar. Teimam, persistem, ainda que já não tenham o intuito de serem compartilhados. “Ainda escrevo alguma coisa, mas é para mim. Acontece, às vezes, de eu escrever, de repente vem uma ideia. Outro dia escrevi uma estrofe, deixei em cima da mesa, e, dias depois, fui ver o que tinha escrito e não consegui, de forma alguma, entender. A minha letra é horrível”, contou o poeta.
Assim como o amor sem-fim por São Luís, que lhe faz desenhá-la com os mais elaborados contornos por meio de palavras, sua repleta obra ainda não é conhecida em plenitude, mas não por sua vastidão, e sim pela já descompromissada relação com a poesia. “Eu tenho muita coisa inédita que pode ser impressa ou não. Outro dia desses, uns amigos quiseram uma cópias de poemas, eu disse: podem levar, podem até colocar o nome de vocês. Eu não estou nem aí”, incentivou o maranhense de alma e por vocação.  
E, logo, desconfiando de quem doeu a vida, tomando a dor como aprendida, põe-se a escondê-la por detrás da fé. “Já fizeram miséria comigo. Já pensou o que é isso: a vida gostando de mim, e eu não gostando muito dela? Só que ela não me larga, me maltrata p’ra burro, mas não me larga”, relatou com requintes de ironia. “[...] E uma torre é gasta em já não ser mais torre, esvaída em sinos, seu silêncio é bronze [...]”. (De Os Telhados, 1965).

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